O Globo | 14.06.13
Suprema Corte dos EUA revoga patentes de empresa relativas ao câncer de mama e ovário
A Suprema Corte dos EUA decidiu ontem por unanimidade que genes humanos não podem ser patenteados. O julgamento, relativo a processo liderado pela ONG União Americana de Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês) e a Associação para a Patologia Molecular contra a empresa Myriad Genetics, põe fim à exclusividade que a companhia detinha no país para o sequenciamento com fins comerciais dos genes BRCA 1 e BRCA 2, que podem ter mutações associadas a uma maior propensão para desenvolver câncer de mama e ovário. Atualmente, há milhares de genes patenteados e, com a decisão, a tendência é que outras exclusividades caiam.
No mês passado, a atriz Angelina Jolie surpreendeu o mundo ao anunciar ter passado por uma mastectomia dupla preventiva depois de um teste mostrar que ela tinha alterações no BRCA 1 que indicavam 87% de chance de sofrer de câncer de mama e 50% de ovário. Jolie defendeu um maior acesso das mulheres a este tipo de exame, que custa por volta de US$ 3 mil nos Estados Unidos e deve ficar mais barato depois da decisão do tribunal. No Brasil, no entanto, os laboratórios que fazem este tipo de avaliação não estavam limitados pelas patentes da Myriad e pouco deve mudar.
A briga na justiça americana teve início em 2009, quando a ACLU, apoiada por pacientes, pesquisadores e outros grupos, contestou as patentes concedidas à Myriad pelo Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos EUA, na década de 90, por ter isolado e identificado os genes - em essência, sequências específicas de DNA que controlam a fabricação de proteínas pelas células do corpo. Com os registros de propriedade em mãos, em 1996 a empresa lançou no mercado um kit batizado BRACAnalysis para detectar certas mutações no BRCA 1 e BRCA 2 que elevam o risco de desenvolver câncer e passou a ameaçar com processos outros laboratórios no país que oferecessem testes semelhantes. Segundo a Myriad, mais de 250 mil pacientes fazem o teste anualmente.
"Consideramos que segmentos de DNA que ocorrem naturalmente são um produto da natureza e não elegíveis para patentes meramente por terem sido isolados", explicou o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas na decisão. "Não há dúvidas de que a Myriad não criou ou modificou qualquer informação genética codificada nos genes BRCA 1 e BRCA 2. A localização e ordem dos nucleotídeos (as "letras" que compõem o alfabeto do DNA) existiam na natureza antes de a Myriad encontrá-las. Neste caso, a Myriad não criou nada. É certo que ela (a empresa) encontrou importantes e úteis genes, mas separar estes genes do material genético em torno deles não é um ato de invenção", continuou Thomas, acrescentando que mesmo "descobertas inovadoras e brilhantes" como as feitas pelos cientistas da Myriad "não satisfazem em si" os requisitos da lei americana para registro de patentes.
Perfil genético de tumores
Para Mariano Zalis, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Progenética Diagnósticos Moleculares, laboratório carioca que oferece testes para o BRCA 1 e 2 entre outros tipos de levantamentos genéticos, a decisão da Suprema Corte dos EUA abre caminho para que outras empresas americanas criem seus próprios kits de detecção de mutações perigosas nos dois genes, o que de fato deverá baratear e tornar mais acessíveis os exames no país.
- Os kits sim podem ser patenteados, já que sua metodologia, isto é, como amplificar e sequenciar o gene e depois identificar as mutações, é uma propriedade intelectual, mas isso não deve impedir que um pessoa ou empresa desenvolva outro teste para detectar aquele mesmo gene ou mutação - defende ele, cujo laboratório cobra por volta de R$ 3 mil para fazer a análise de cada um dos dois genes que eram objeto das patentes da Myriad nos EUA.
Na opinião de Zalis, o julgamento também não deverá afetar os investimentos em pesquisas para a identificação de outros genes e mutações perigosas para a saúde humana. Segundo ele, a tendência é que a medicina personalizada ganhe mais força, focada em duas vertentes. A primeira é a avaliação do genoma completo dos pacientes, cujo sequenciamento está cada vez mais barato e vai muito além da análise de apenas um ou outro gene, como no caso dos BRCA 1 e 2. Já a segunda é a montagem do perfil genético de tumores para a escolha de tratamentos.
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