25 junho 2012

Nos caminhos da inclusão

Simone Lopes | Correio do Povo | 25.06.12
As leis abrem vagas para PCDs. E empresas ainda buscam adaptação à nova realidade
Acessibilidade, inclusão e responsabilidade socioambiental são palavras, conceitos e atitudes que estão cada vez mais presentes no mercado corporativo. Impulsionadas pela legislação que tenta abrir caminho para o acesso das pessoas com deficiência (PCDs) ao mercado de trabalho, empresas também engatinham para aprender a lidar com os novos funcionários e a aproveitar as suas habilidades.
A Lei de Cotas (lei 8.213/91) já ultrapassa duas décadas. Mas os passos para a inclusão de PCDs no mercado de trabalho ainda são tímidos. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, em 2010, menos da metade, ou 45,22% das empresas fiscalizadas pelo órgão cumpriam o estabelecido pela legislação. Em contrapartida, em 2010, 17,4 mil novos empregos formais foram ocupados por pessoas com deficiência no país, aumento de 6,2% em relação ao ano anterior.
Aos poucos estão sendo adotadas tecnologias assistivas e implantados meios de acessibilidade nas corporações. “Imagine se a PCD tivesse à sua disposição um software que facilitasse sua comunicação e o desenvolvimento de sua atividade. Ou mesmo se o uniforme usado tivesse um fecho adaptado em local acessível? Hoje existe um pouco mais de recursos a esse público, mas é preciso muito mais”, observa a gestora da Desenvolver Consultoria em Inclusão, Márcia Gonçalves, que, em cinco anos, já incluiu mais de mil PCDs no mercado. Algumas organizações que já estão desenvolvendo o processo de inclusão encontram barreiras em outras legislações e também têm dificuldades para saber para onde direcionar as PCDs, conforme suas habilidades. Nesse sentido, o surgimento de empresas especializadas na seleção e inclusão especial vem favorecendo o fomento desse novo mercado.
Na avaliação de Márcia, incluir é muito mais do que contratar. “É preciso investir em tecnologia assistiva, arquitetônica e em educação inclusiva. Necessita-se de tempo e de dinheiro e, muitas vezes, as empresas precisam estar dispostas a esse movimento que dará, indiretamente, retorno à sociedade”, salienta.
Uma PCD tem suas características próprias, independente de limitação funcional. “Cada uma age de acordo com a sua personalidade. Precisamos evitar sermos assistencialistas. A pessoa precisa de oportunidade e, a partir daí, ela desenvolverá suas habilidades”, aponta.
A realização profissional de uma PCD também passa pelas condições que a empresa proporciona. Segundo o técnico em Segurança do Trabalho da Desenvolver, Alessandro Fagundes, existem alternativas que podem ser criadas para promover essa adaptação. “Realizo o mapeamento físico das empresas para conhecer o acesso à mobilidade e a análise do processo de trabalho para verificar a atividade e que tipo de adaptação pode ser aplicada”, explica o técnico.

Legislação garante a oportunidade

Dados do IBGE revelam que, em Porto Alegre, existem cerca de 300 mil pessoas com algum tipo de deficiência e cerca de 2,5 milhões no RS. Na avaliação da diretora-presidente da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para PCDs (Pessoas com Deficiência) e PPAHs (Pessoas com Altas Habilidades) no RS (Faders), Marli Conzatti, gestores públicos devem atuar no resgate e na conscientização da sociedade para tornar a cidade mais acessível. Para isso, é preciso, conforme ela, um conjunto de medidas, além de um trabalho permanente.
Além da Lei de Cotas (artigo 93 da lei 8.213/91), Marli destaca outros decretos que “dão obrigatoriedade” ao acesso de PCDs ao trabalho: Lei do Concurso Público, que garante 10% do número de vagas; Lei de Estágios (10% para PCDs nos órgãos públicos), e Lei do Jovem Aprendiz, que concede cursos profissionalizantes. “Há oportunidade a partir dessa obrigatoriedade”, cita.

Superar barreiras

Obstáculos físicos e culturais não impedem Carlena Weber de ir em busca de grandes realizações (Foto: Mauro Schaefer)
Um acidente de carro, em 2001, mudou os rumos da vida da assistente social Carlena Weber, 33 anos. Havia cinco pessoas no veículo, inclusive seus pais, e ela foi a única sobrevivente. Com o impacto, Carlena ficou tetraplégica e, a partir daquele dia, precisou ir em busca de autoconhecimento e de entendimento de como as coisas passariam a funcionar.
Após um tempo de tratamento no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, Carlena começou a entender que existiam novas possibilidades. “Eu tinha pouca informação sobre a deficiência, depois passei a conhecer meus limites e também minhas habilidades”, conta ela.
Em 2009, Carlena concluiu a faculdade na Ulbra e fez estágio na Secretaria Municipal de Educação de Gravataí. Mais adiante, ela soube que a Desenvolver Consultoria em Inclusão de Pessoas com Deficiência precisava de uma assistente social. Participou do processo de seleção, sendo admitida.
Para ela, a maior dificuldade não está no desenvolvimento do seu trabalho e, sim, no deslocamento: Carlena mora em Gravataí e o ônibus executivo, cujo transporte é mais rápido, ainda não possui acessibilidade para cadeirante. Com isso, ela precisa se deslocar com o ônibus comum e leva duas horas para chegar à Capital.
Carlena diz que, às vezes, acha que vive em um mundo paralelo e que a sociedade precisa vencer as heranças culturais, que se refletem nas empresas. “Estou aqui porque apresento resultados e trabalho. Não quero ser vista como heroína ou alguém frágil, mas como uma profissional que atende às expectativas da empresa”, explica a assistente social, ao ressaltar que não é o assistencialismo que leva ao desenvolvimento e, sim, a oportunidade.

Preenchendo as cotas

Empresa de Butiá passou por remodelação e conta com 80 PCDs. Apesar disso, ainda não atingiu o estabelecido pela legislação
Grupo de pessoas com deficiência toma conta do Horto Florestal Fagundes, em Minas do Leão (Foto: Divulgação/CP)
Ao receber uma visita da fiscalização governamental, a Fagundes Construção e Mineração, situada em Butiá, na Região Carbonífera do RS, passou a adotar uma cultura organizacional inclusiva e aderiu, há quatro anos, à Lei de Cotas. Conforme a psicóloga Simone Brum, a empresa, que atua em terraplenagem de solo, contava, naquela época, com um quadro funcional de 2 mil trabalhadores e 12 pessoas com deficiência. Hoje, a empresa possui 3 mil colaboradores e mais de 80 PCDs. Mesmo assim, ainda não atingiu a cota estabelecida por lei.
Para promover novas contratações, a organização buscou ainda parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), para qualificar jovens com deficiência com o perfil da companhia. Apesar do esforço, Simone explica que 90% da empresa envolve cargos de motoristas e operadores de máquinas e esses funcionários precisam ter carteira de habilitação. Porém, as leis de trânsito apresentam restrições que colidem com as limitações das PCDs. “Essas normas, muitas vezes, não comungam com a Lei de Cotas, visto que várias deficiências não são aceitas para a carteira de motoristas de caminhões de grande porte. A dificuldade se amplia quando se trata de uma empresa que tem como principal ferramenta de trabalho o caminhão.” Esse impasse, segundo Simone, acaba prejudicando o alcance do percentual da legislação.
Na avaliação da psicóloga, a implantação dessa modalidade de seleção e inclusão representa uma lição de vida. Conforme Simone, a intenção é maior do que qualquer dificuldade. Ela explica que a empresa conta com PCDs de diversas idades, desde 18 até 60 anos, que revelam, no dia a dia e em qualquer situação, o quanto o trabalho dignifica. “Eles demonstram que a vontade de trabalhar é inerente a qualquer forma de deficiência”, observa.

Aprendizado para todos

A necessidade da criação de um espaço para o desenvolvimento de mudas para reflorestamento nos solos afetados pela mineração uniu o útil ao agradável e proporcionou na Fagundes Construção e Mineração criar mais uma área voltada à inclusão de pessoas com deficiência. No Horto Florestal Fagundes, coordenado pela monitora Glaziela Machado, são produzidas mudas nativas (açoita-cavalo, araticum, aroeira, canela, cedro, pata-de-vaca, guajuvira, entre outras), que são distribuídas a partir de um estudo de biodiversidade. Lá, trabalham seis PCDs (cinco mentais e uma auditiva) bastante envolvidas com as suas atividades, diz a monitora.
Segundo a bióloga Cristiane Schwantes, o departamento, localizado em Minas do Leão, foi instituído em outubro do ano passado. Para ela, está sendo gratificante trabalhar com esse grupo. “No início, alguns colaboradores apresentaram dificuldades, mas hoje desempenham muito bem suas atribuições”, conta Cristiane, com orgulho.
Ela acrescenta que alguns preferem atuar individualmente e outros, em dupla. “É preciso respeitar as particularidades de cada um e suas formas de adaptação”, ensina.
Lei de Cotas
Artigo 93 – Lei 8.213/91 – A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I – até 200 empregados: 2%; II – de 201 a 500:3%; III – de 501 a mil: 4%; IV – de 1.001 em diante: 5%.
§ 1 A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante. § 2 O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou a entidades representativas dos empregados.
Desconhecimento prejudica a inclusão
A falta de conhecimento sobre mecanismos e formas de inclusão é o principal empecilho nesse processo. De acordo com o consultor Marcelo Rodrigues, da Egalité Recursos Humanos Especiais, ainda há muito preconceito na sociedade e nas organizações. Para ele, a indústria e o varejo necessitam avançar nesse sentido. “É preciso mais ações de educação para a inclusão”, defende.
Empresas oferecem cursos e capacitação
Diversas instituições oferecem cursos e capacitações para profissionais que trabalham com pessoas com deficiência. Algumas oportunidades podem ser conferidas nos sites da Faders (www.faders.rs.gov.br), da Desenvolver Consultoria em Inclusão de PCDs (www.desenvolver-rs.com.br) e também da Egalité Recursos Humanos Especiais (www.egalite.com.br).
Tecnologia Assistiva para PCDs no RS
O Rio Grande do Sul terá um dos Núcleos de Tecnologia Assistiva, que deverá disseminar tecnologia a pessoas com deficiência (PCDs), por meio do incentivo à pesquisa e à tecnologia assistiva. De acordo com o secretário Nacional da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social, Eliezer Pacheco, a medida faz parte do programa Viver Sem Limites, do governo federal.

Fotografia: Mauro Schaefer     Edição: Janine Souza

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